tirou os olhos
e os lançou fora
também as narinas
sem demora
escalpelou a própria pele
para que nunca mais se adornasse nele
extraiu a língua
depois arrancou os ouvidos
até não restar mais sentido
algum
- cogito ergo sum –
então veio o medo
e a dúvida que persiste
o pensamento sobre o pensamento
imprevisto
ipê-amarelo, ipê-roxo,
perfeitos amores e demais flores:
dálias, hortênsias, azaléias, magnólias
e outras quimeras
-Por que só na primavera?
“ando muito completo de vazios, estou sem eternidades” Manoel de Barros
vazio
do fundo
de dentro
de fora
vazio
agora
antes
depois
pra sempre
vazio
da mente
do corpo
do espírito
da alma
vazio
que acalma
a dor
a angústia
a ferida
vazio
da vida
da fala
da escrita
da poesia
vazio
do dia a dia
“ Saudade. Saudade. Saudade de quê? ”
Adélia Prado
saudade de casa
saudade de voltar
saudade do meu lar
saudade de encontrar
Aquele que eu chamo de Pai
No Jardim do Éden
Adão trabalha
Eva lava
Adão escolhe
Eva limpa
Adão recolhe
Eva leva
No Jardim do Éden
A dor não tolhe a vida leve
Poucos deixam um legado
alguns, apenas um recado
vários, frases perdidas no papel
a maioria, palavras soltas ao léu
para a mimésis, poiéisis
para a ordem, progresso
para a saudade, regresso
para o desempenho, um jeito travesso
para a frustração, algo que esqueço
para o luxo, simplicidade
para a tradição, novidade
para certas coisas, a coisa certa
para o preconceito, uma mente aberta
para a pequenez, fermento
para a alma, alimento
para a perfeição, graça
para a dor, o tempo que passa
para a insensibilidade, a beleza da arte
para a apatia, um coração que bate
para a busca, significado
para a culpa, o perdão do pecado
para a aridez, sede, paixão e fome
Lobo: Sola Gratia, minha netinha.
Chapeuzinho: Vovó, por que então existe tanta gente legalista e moralista por aí?
Lobo: Ahhh... Solus Christus, meu docinho.
Chapeuzinho: Mas vovó, então, por que as igrejas ainda confiam tanto nas tradições?
Lobo: Quero dizer, Sola Scriptura, minha menina inocente!
Chapeuzinho: Vózinha, por que, então, tantos livros e comentários?
Lobo: Chega dessa conversa. Você fala demais, Chapeuzinho. Sola Fide!
Chapeuzinho: Vovó, não que eu queira insistir, mas por que, então, tanta auto-justificação?
Lobo: Soli Deo Gloria!!!
Chapeuzinho: É o lobo, é o lobo, é o lobo!!!
Não razão, não razão,
não,
ilusão,
só isso,
e sonho,
e delírio,
e desatino,
colírios do nada
Não razão, não razão,
não,
paixão,
apenas isso,
e desvario,
e demência,
e loucura,
irracionalidades que me libertam
da normalidade
Não razão, não razão,
não,
fantasia,
e utopia,
e alegoria,
dessintonias que me põe a salvo
Não razão, não razão,
não,
torpor...
quanto mais penso
menos sei
de onde me nasceu a poesia,
de meu pai,
de minha mãe,
ou de alguém que ao invés de se encontrar
se perdia?
naquele dia
nenhum tesouro, dinheiro ou moeda
estaremos de mãos vazias
nenhuma roupa, disfarce ou máscaras
estaremos nus
Então, virá a primeira pergunta:
- Você me ama?
naquele dia
nenhum acerto de contas
nem créditos ou débitos
nada para apresentar a favor
nenhuma grande obra
nenhuma boa ação
e a segunda pergunta será feita:
- Você me ama?
naquele dia
nenhuma fé, religião, crença ou raça
nenhuma razão ou sentimento
nenhuma lembrança ou tradição
nenhuma convicção
e Ele fará a última pergunta:
- Você me ama?
